Como lidar com a diferença cultural no relacionamento
A ideia de se casar com um estrangeiro pode parecer “tranquila e favorável! ”, entretanto se relacionamentos demandam empenho diário de ambas as partes, um relacionamento intercultural exige muito mais.
Tudo o que você vive, vê e escuta desde criancinha, formou sua personalidade, suas crenças e o que você é hoje. Por mais que isso seja único, você conhece muito bem os moldes da sua sociedade, e mesmo vivendo em um mosaico cultural como é o Brasil, cria padrões de comportamento. Com isso, vem as expectativas, reações, cobranças, etc. Mas, e quando tudo isso é diferente? É como andar no escuro.
Esperar o mesmo que se espera de um relacionamento “brasileiro” pode ser trágico e frustrante. Além de conhecer o parceiro, é necessário conhecer a cultura dele, e toda essa bagagem que ele está trazendo, para aí sim poder configurar como será esse relacionamento. Sabendo que ceder, será praticamente uma condição para estar junto.
Já conhece? Acha que vale a pena ceder? Essa é uma reflexão muito importante. Muita gente no entusiasmo, acha que conseguirá superar ou abrir mão de uma vida que planejou. Mas quando a coisa esfria e a rotina chega, é que você se pergunta se realmente vai dar conta. Então, desde o início é importante ser sincera com você mesma, e se perguntar se você vai continuar feliz com essas concessões a longo prazo.
Vou dar um exemplo. Sou casada com um árabe e conheço diversas outras meninas na mesma condição. Um dos primeiros fatores de divergências são roupas, por que é uma coisa aparente. Para se descobrir um traço da personalidade da pessoa, leva-se tempo, mas a roupa, bastam segundos. Muitas meninas topam passar a usar o véu, niqab ou whatever. Só que no dia a dia, elas vão se dando conta das dificuldades da coisa. É fácil usar um véu e uma manga comprida em um dia de 40 º C? Será que depois de um tempo você vai se reconhecer usando essas roupas? Ainda será você aí? No início é diferente, interessante, mas você sustenta isso uma vida inteira? Muitas acham que depois conseguirão mudar o marido. Não funciona assim, uma concessão feita, se não for mantida, se tornará no máximo motivo de briga. Se você não pretende fazer isso a vida toda, fale agora (ou se cale para sempre, hehe).
Ceder não significa mudar. Você pode ceder sem mudar quem você é. Continuando no exemplo acima, apesar do meu marido nunca ter intencionado que eu usasse véu ou algo parecido, ele sempre desagradou das minhas roupas, que ou são curtas demais, decotadas demais, transparentes demais – para os padrões dele, no Brasil eu sou super comportada. Eu nunca falei para ele que pararia de usá-las, por mais que ele esperasse escutar isso. Comprei várias roupas que atendessem mais as expectativas dele, mas que estivessem dentro do meu estilo. E no Egito, eu visto sim, bem tampada, e dou a ele o direito de “julgar” o modelito, se ele aprova ou não, se posso sair assim ou não. Mas no Brasil, minha amiga, ele não dá pitaco. Vai ter shortinho sim, biquíni também e o que mais me der na telha. Temos apenas o combinado de quando eu estou com roupas “peladas” não postar foto no Face, ou bloquear todos os nossos conhecidos egípcios, para que não vejam a foto. Eu cedi, ele cedeu, e ficou todo mundo feliz!
Look brasileiro Look egípcio
Assim como ele espera coisas de você, você pode esperar coisas dele, que ele nem sequer sabe que você está esperando e pode te frustrar. Eu e o Sedik temos uma história clássica: da aliança de casamento. Pode parecer simples, mas se você souber quanta briga e frustração essa história causou.
Decidimos meio que acordo entre ambas as partes, nos casar. Como estávamos distantes, fiquei esperando que quando nos encontrássemos ele oficializasse o pedido e me desse uma aliança, anel de noivado... qualquer coisa. Ah tá... Michelle aqui esperou sentada, frustrada e indignada. Mas por quê? Por que na cultura dele, essa oficialização é feita da seguinte forma: mesmo que eu queira casar com ele, só vai ter casório se meu pai aceitar. E é o meu pai que vai negociar o quanto de ouro que eu vou receber, e isso não é nada romântico do estilo um par de alianças e uma surpresa. É do tipo: “por essa miséria minha filha não vai a lugar nenhum, e eu vou lá na loja ter certeza que você está comprando um anel desse valor aí”. Ele fez o pedido para o meu pai (via Skype), meu pai achou bonitinho, falou “tá beleza” e num pediu ouro nenhum (como ele ia imaginar, né!?). Quando o Sedik iria imaginar que ele ainda me devia o danado do anel? E muito menos que eu aceitaria não escolher o modelo ou valor do bendito.
Depois de eu dar muitas dicas, discretamente... mais óbvias. Muito óbvias. Claríssimas! Eu dei foi um chilique. Como eu ia casar sem uma aliança? E ele com cara de “Meu Deus, que isso?”. E como lá, o ouro é meramente uma questão de $$$, que se f*#@ a simbologia, ele ainda ficou bravo comigo, que eu só estava ligando para o dinheiro, que ele nunca pensou que eu fosse interesseira.
Só para piorar o cenário, estávamos com várias amigas brasileiras, e vários amigos egípcios. A discussão se tornou generalizada, por que elas entendiam o meu ponto de vista, eles o dele, ninguém se entendia e ambos os lados consideravam o outro mesquinho. Depois de horas de conversa exaltada, é que fomos entender os “padrões” e simbologia da coisa em cada país. Toda a briga não passou de um mal entendido cultural. Parece bobeira, mas quase não teve casamento por causa disso. Hoje, a gente dá muita risada da história.
Finalmente, o meu anel!
E lembre-se que se ele não está acertando os seus desejos, você também pode estar errando feio com ele fazendo o que você considera que “é tudo que um homem gostaria”.
A única saída é conversar muito, muito mesmo. Só que ainda sim, esse pode ser mais um fator complicador da coisa. No mínimo um dos dois estarão lidando com uma língua da qual não é nativo, senão os dois. E não encha a boca pra falar “ah... mas eu sou fluente, fiz 10 anos de ‘ingrêis’”. Nunca será a mesma coisa, até por que a gente tende a dizer coisas como são ditas na nossa língua mãe.
Por exemplo, no Egito, amor, paixão, coração, é forma de tratamento corriqueira. Mas se você sai com um carinha que te fala isso aqui no Brasil, você pensa o quê? “Nossaaa, arrasei, tá doooido comigo”. Se acha a última bolacha do pacote, a rainha da cocada preta, a única Coca-Cola do deserto, e depois vai chorar na cama que é lugar quente. Um egípcio falar isso, não significa nada, ele fala até pro padeiro. Além disso, no árabe, eu não sei se eles não têm ou se não usam o verbo gostar, tudo eles amam. Amam morango, amam azul, amam macarrão, e “love you” também com a mesma intensidade, entende? Um “eu te amo” para eles não tem o mesmo peso, pompa e circunstância que tem para gente. Olha o problema que isso pode dar!
Todos nós fazemos isso, agimos de acordo com a configuração mental que temos. Que tal tentar entender a configuração do outro? São dicas superficiais, com exemplos banais, mas que podem ser usadas em situações muito mais complexas. Espero que elas ajudem!!!
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