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Meu segundo casamento (com o mesmo marido) no Egito

Há algum tempo contei aqui sobre o meu casamento no Egito, o primeiro. E prometi que em outro momento contaria a segunda parte. Chegou o momento!


Até tinha me esquecido disso e como vocês tem visto, tenho escrito menos para o blog do que eu gostaria. Mas hoje, antes de mandar o link do post anterior para uma amiga, acabei lendo-o na íntegra e acabei me animando a escrever a parte 2. É tão gostoso ter esse registro que não quero que passe mais tempo e a memória apague detalhes que não saberei contar no futuro.


Bom, após o primeiro casamento, retornamos para a Grécia aonde morávamos na época. Lá, começamos a verificar o que seria necessário para realizar o casamento legal, que valesse tanto judicialmente no Egito quanto no Brasil. Fomos em uma Embaixada, fomos em outra... e não conseguimos muita coisa. A Embaixada brasileira não fazia casamento e a egípcia pedia tanta coisa que não sabíamos por onde começar. Por sorte ambas ficavam no quarteirão da nossa casa.


Quatro meses depois e ainda perdidos no meio de tantos papéis, decidimos nos mudar da Grécia. Não foi muito uma opção, foi uma falta de opção. Como não tínhamos um plano definido do que fazer a partir dali, decidimos ir para o Egito, ficar um tempo e resolver esse segundo casamento.


Mais uma vez minha família não agradou muito desse casamento a distância, mas se já estava difícil casar em uma cidade que concentrava todos os escritórios que precisávamos ir, imagina no Brasil, que precisaríamos ir em São Paulo e Brasília a cada um desses passos? Não dava. (Considere que moramos em Juiz de Fora, MG)


Na nossa primeira semana no Egito já começamos a providenciar tudo. Vai aqui, ali, lá, aqui de novo. Quem se casou no exterior sabe a lista interminável de coisas a se fazer em curto prazo de tempo. Depois que já tínhamos validado meus documentos na Embaixada e Relações exteriores do Egito, traduzindo-os para o árabe, conseguido o visto especial para casar, fomos orientados de que o próximo passo era fazer os exames médicos. Mas que exame médico? Achei que isso fosse do tempo das nossas avós e nem sabia que ainda existia isso no mundo. Fomos para o hospital autorizado a fazer o tal exame.


Quando fiquei sabendo que o hospital era público, me bateu um medinho. As histórias de hospitais públicos no Egito são péssimas, e incluem até mesmo reaproveitamento de seringa. Comecei a dar um pequeno chilique no táxi, queria de todo jeito que a gente parasse em uma farmácia para comprar seringa e agulha. Pelo menos se o hospital não abrisse a deles na minha frente, eu exigiria que fosse feito com a minha. Meu marido falou que não ia passar essa vergonha e não parou. Que se não abrissem na nossa frente, a gente virava e ia embora. O meu medo das condições do exame eram tantas que nem parei para pensar que exames eram esses. Eu só pensava no processo e não no resultado.


Quando chegamos lá, tinham várias outras noivas e noivos aguardando o tal exame. E uma delas era da Lituânia. Ela viu que eu também não era egípcia, se aproximou e me perguntou se por acaso eu não estava preocupada com as condições de higiene do exame. Siiim! Ela também estava desesperada. Aí ficamos mais tranquilas por que pelo menos seriam duas a dar “piti” se fosse o caso. E foram minutos e minutos de conversa planejando como agir nesse caso. E meu marido e o dela, chorando de rir com o nosso exagero.


Chamaram a gente para fazer o exame, e por sorte fomos juntas. Ufa... era tudo limpinho, abriam tudo na nossa frente. Fomos em uns 3 setores diferentes do hospital e quando já estávamos toda furadas é que resolvemos perguntar, mas afinal, exame de que nós estamos fazendo?


Todos os exames eram para saber em relação a fertilidade. Afinal, casar no Egito significa ter filhos e se um dos cônjuges não estiver apto, o outro deve saber antes e possivelmente desistir da união. Obviamente que achamos isso surreal. Imagina, fizeram exame para ver o fator RH do sangue, e se a mulher for negativo e o homem positivo, aconselham a não casar pelos possíveis problemas da gravidez. Mas, se você acha que a parte mais surreal é essa, vai escutando.


Depois que todos os casais já tinham terminado os exames, colocaram todas as noivas em uma mesma sala com o médico. Primeira falta de noção do dia: ele leu todos os resultados de exame na frente de todas. Imagina se uma única menina não pudesse ter filhos? O quão constrangedor seria a situação. E quando você acha que não dá para piorar, piora. Começou então uma aula do médico, sobre o que fazer na noite de núpcias, uma vez que elas se casam virgens e na maioria dos casos nunca ninguém conversou sobre isso com elas. Nos primeiros minutos da interessantíssima palestra, ele se deu ao trabalho de traduzir para gente o que ele estava falando em árabe para elas, e imagina que elas não sabiam que a menstruação estava relacionada a gravidez, ficaram chocadas. Tadinhas. Depois de uns minutos, eu, a menina da Lituânia e uma outra italiana que chegou depois, riamos tanto que o médico parou de se dar ao trabalho de traduzir para gente. Imagina que a menina da Lituânia estava com o bebê dela do lado de fora, a italiana tinha cara de quem tinha uns 5 filhos e ele se dando ao trabalho de explicar para gente sobre a primeira vez. A partir dali eu só entendia os ensinamentos pelos gestos super didáticos dos dedos do médico reproduzindo os acontecimentos da noite de núpcias. Mas eu não sabia se acompanhava a performance ou se focava na cara de choque das egípcias que não desgrudavam o olho das mãos dele. Aquilo foi tão surreal para mim, que em um certo momento corri o olho pela sala para ver se não tinha nenhuma câmera. Só podia ser pegadinha, gente. Não era!


Para completar, o médico explicou, dessa vez fez questão de falar em inglês também, que quem não quisesse engravidar, não precisava tomar remédio (que isso é muito errado!), que era só não fazer nos dias férteis que ele explicou. Ah tá! E para fechar com chave de ouro, o sábio conselho: Não façam Allah ficar bravo, nunca digam não ao marido e sempre os obedeça. Estranhamente nessa hora, os papéis se inverteram, as egípcias ficaram risonhas como estávamos, e nós três estupefatas, de boca aberta, olhando para o médico e analisando se compensava a discussão. Deixa para lá.


A italiana saiu de lá tão brava que pegou o noivo dela pelo capuz e não sei até agora para onde ela carregou ele. Eles sumiram. E se você pensa que acabou, que nada. Foi a vez dos homens, com direito a ensinamentos do tipo: Não façam com o dedo, ok?


O fato rendeu. Saímos de lá com o casal que tínhamos conhecido e o bebê dela, paramos em um café e não cansávamos de repetir a história e nos acabar de rir. Não tinha fim, a gente sempre lembrava mais uma pérola do médico.


Depois disso, estávamos finalmente aptos (ou não) a nos casar. Só que no Egito não é como no Brasil que levamos os documentos, eles conferem e marcam um dia para o casamento. O casamento de estrangeiros é feito no Ministério da Justiça, e é: chegou, conferiu, está tudo certo, casa aqui e agora.


No dia seguinte lá estávamos. O prédio é terrível, lotado, não tem lugar direito para sentar, não tem uma fila lógica a seguir, você não sabe em qual sala tem que ir primeiro. Enquanto o Sedik estava lá tentando descobrir o que fazer primeiro, no andar tinha um café com umas mesinhas, ele me falou para sentar. Esperta que sou, como não vi cardápios nem preços em lugar nenhum, fiquei em pé sacando qual era. Como o meu marido odeia que eu pergunte preço das coisas lá, também não perguntei – segundo ele quando eu faço isso, o que todo mundo pensa é que ele é quebrado, e realmente essa é a mentalidade local. Não passou cinco minutos, um cara que estava em uma mesa foi lá pagar e começou a gritaria. O cliente pegava o dono pela gola, um monte de noivo ia lá segurar. Enfim, o cara cobrava preços exorbitantes nas coisas, do tipo R$15 por uma garrafinha d’água. Rá! Me senti super esperta.


Enfim, depois de ficar lá horas e horas, me entretendo apenas com as sucessivas brigas entre clientes e o dono do café, descobrimos que faltava um documento do meu esposo. Providenciamos e voltamos uns dias depois. Horas e horas de espera por lá, quando já estão começando a redigir nosso contrato de casamento, descobriram que erraram na emissão do meu visto e a data estava errada. Mesmo que não fosse culpa minha, não poderiam fazer o casamento antes de corrigir. Levamos para corrigir, mas demorou quase uma semana e eu já tinha um vôo próximo marcado para o Brasil. Fomos mais uma vez tentar casar, e sinceramente dessa vez nem me lembro do que deu errado com a tentativa. Mas então, meu esposo me lembrou que nós não estávamos seguindo a forma como as coisas funcionam no Egito (propina!), e que enquanto insistíssemos em sermos politicamente corretos, a gente não sairia de lá casados, mesmo que tudo estivesse correto com nossos documentos. Como meu esposo conseguiu visto de turista para vir comigo ao Brasil, deixamos por isso mesmo e viemos.


Nessa visita ao Brasil decidimos que abriríamos um negócio aqui, o que nos obrigava a finalizar a situação. Voltamos ao Egito. O ânimo lá em baixo de ter que começar o processo do zero, uma vez que teoricamente os documentos que fizemos anteriormente só valeriam 3 meses, o que já tinha passado. A única coisa que falei com meu marido que eu não faria por nada de novo, era o exame médico. De novo não!


Na dúvida, fomos no Ministério da Justiça perguntar dos documentos que tínhamos, quais deles eram realmente necessários que fizéssemos de novo. Como o lugar é uma loucura, ninguém parava para escutar a gente. Para ajudar na boa vontade, meu esposo deu uma gorjeta para um deles. A boa vontade se tornou tanta que fomos pedir uma informação e quase saímos casados. Só não conseguimos por que o Seddik tinha levado só a carteira de motorista, e só valeria identidade. Briguei tanto com ele de ter deixado essa chance escapar.


Voltamos uns dias depois com a identidade. Antes de sair de casa vi meu esposo enchendo o bolso de dinheiro, perguntei para o que era. Era para garantir que a gente saia de lá casados. Jeitinho egípcio.


Chegamos lá as 13h. Oficialmente, você pode chegar e pedir o formulário até as 14h. O funcionário simplesmente disse que não tinham mais formulários, que tinha que chegar mais cedo. Mas do lado dele tinha uma pilha deles! Meu esposo deixou uma nota cair e não é que ele encontrou os formulários perdidos em cima da mesa. Tive vontade de torcer o pescoço dele.


Preenchemos e aí ele nos lembrou de um detalhe, e os padrinhos? Benditos padrinhos, lembram do perrengue do primeiro casamento? Aonde a gente ia arrumar padrinho a essa hora? Saímos catando quem estava lá. Noivo de outro casamento não deixaram. O dono do café já era padrinho de sei lá quantos outros casamentos no dia, não podia mais. Padrinhos de outros casamentos também não dava por que os documentos deles estavam retidos. Achamos um que tinha ido lá separar e também estava desesperado atrás de testemunha. De início o cara não o aceitou como padrinho, mas aí rolou uma argumentação coletiva de um monte de gente que estava lá que casar e separar não tem nada a ver. Ele deixou, menos um.


E o segundo? O jeito foi alugar um refugiado palestino por 200 pounds. Carooo! Acredite, na porta do prédio fica um monte deles se oferecendo a testemunha em troca de dinheiro. Eles sabem que vai sair um monte de noivo desesperado correndo pela rua, parando todo mundo e os “convidando” a padrinhos de seu casamento. Tentamos negociar por 100 pounds mas ele foi irredutível. Benditos pounds meu marido colocou no bolso.


Então, dada a entrada dos documentos, tem que sentar e esperar ser chamado para casar. Sentar aonde? No café da extorsão. Como já erámos gatos escaldados por ali, meu marido resolveu assumir que minha precaução de perguntar preço antes tinha fundamento e foi lá perguntar. Pasme, o preço era caro, mas era normal. Afinal, perguntamos antes de consumir. Pelo menos deu para sentar e esperar. O problema é que era o primeiro dia na vida que os casamentos estavam sendo feitos de forma digital, no computador. Até então tudo era a mão. E imagina a demora das tias que trabalhavam lá de digitar contrato catando letrinha no teclado, o negócio não rendia. Lá pelas tantas, meu marido foi lá dentro ver por que demorava tanto e ficou. Quando fui atrás dele ele estava simplesmente sentado na cadeira da mulher digitando os contratos que ela ditava para ver se rendia. E ela toda feliz do lado.


Até que enfim chegou a nossa vez e até então eu tinha dúvidas se dessa vez ia. Achei que pelo menos nesse momento, seria só nós dois com o senhor que faz o casamento, um mínimo de privacidade para finalmente entrar no clima do que estava se passando ali. Que nada! Era nós dois e outros dois casando. Ele traduzia o contrato para mim e para a russa e a gente tinha quase que chegar o ouvido na boca dele para escutar de tanto barulho atrás. Enquanto isso, meu marido e o dela tiveram que sair correndo para fazer uma cópia de foto 3x4 que estava faltando para os dois. Ficou eu e ela lá escutando os contratos. Ainda deu a hora da reza, uns dois funcionários da sala se abaixaram para rezar, meio que no pé da gente. E falaram para gente ir assinando enquanto os dois não chegavam. Só que não tinha nem um lugarzinho livre para a gente apoiar e assinar. Eu fiquei equilibrando em uma perna para usar a outra de apoio, e a russa assinando nas costas da mãe dela que estava lá. E eu não conseguia parar de olhar a mãe dela e imaginar a minha ali. A mulher toda arrumada como se realmente estivesse indo casar a filha no cartório (dentro dos nossos parâmetros), lá, no meio daquela confusão com o olho arregalado. Minha mãe ia fazer igualzinho!


Quando o Sedik chegou, assinou as vias e ufa, é sério que deu certo, acabou? Como estava muito confuso o dia, pediram para gente voltar uma semana depois para buscar o contrato. Quando o Sedik viu minha cara de quem ia chorar de saber que precisaria voltar lá mais uma vez na vida, “conversou” e deu um incentivo (se é que vocês me entendem) para o senhor responsável que providenciou tudo na hora.




Saí de lá rumo ao elevador que era felicidade pura. Eis que meu marido me fala “de elevador de jeito nenhum, vamos de escada”. Por que, criatura? São 8 andares. É que diz a tradição que todo mundo que te dá parabéns pelo casamento, você precisa dar um dinheiro para que ela não jogue olho gordo. Sabido disso, o ascensorista do elevador dá parabéns para todo mundo que entra naquele andar, e como o elevador cabe umas 20 pessoas, todo mundo entra na onda. Depois de contratar um palestino, pagar o café mais caro do mundo, sair fazendo o Silvio Santos do elevador não parecia boa ideia. Dá-lhe escada.



Dali, fomos comemorar no restaurante giratório da Torre do Cairo, que depois conto como foi. Mas se cantar vantagem antes da hora por aqui não é legal, no Egito nem depois da hora você pode. Tudo pode acontecer.



No dia seguinte, estávamos dormindo em casa e a mãe do Sedik bateu na porta falando que o homem do Ministério da Justiça estava no telefone. Como assim? Não preenchemos número de telefone hora nenhuma, como ele podia estar no telefone? Pois é, a gente esquece, mas ainda existe procurar um número na lista telefônica.


Eles haviam lido para mim o rascunho do contrato, e eu havia assinado o rascunho que ficaria arquivado lá como oficial. O que levamos para casa, era outra versão. Entretanto, a mulher que digitava esqueceu de digitar uma cláusula que eu pedi, então eles não poderiam arquivar o contrato pois estava errado. Tínhamos que voltar lá. É sério!


Voltamos lá no dia seguinte, ele pegou a via do contrato que tinha ficado com a gente e completou a mão a cláusula que faltava, com direito a setinha indicando o adendo e tudo. Se era só para fazer isso, por que ele não ditou pelo telefone e a gente mesmo escrevia em casa?


Mas enfim, casados! Juro que se algum dia eu tiver vontade de separar, vou pensar duas vezes só para não precisar voltar lá.

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