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Minha primeira viagem para o exterior foi uma aventura

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A primeira vez que sai do Brasil foi em 2006. Minha mãe morava e estudava em Portugal, meu padrasto e meus dois irmãos mais novos a acompanharam residindo em terras lusas por dois anos. Fiquei no Brasil pois estava na faculdade.


Eis que um dia, após diversos planos de ir a Portugal que provavelmente não se concretizariam, minha mãe me liga e me diz: “Tive uma ideia, por que você não tranca a faculdade um período, vem passar uns meses e vamos até a Alemanha de carro durante a Copa do Mundo?”. Só que a ideia tinha um complemento, pois obviamente isso custaria um dinheiro que não tínhamos: “para cobrir os custos da viagem, a gente pode pintar a cara do pessoal na porta dos estádios”. Eu sei, isso não soa nem um pouquinho ideia de mãe, mas foi. Na verdade, ela estava em Portugal quando aconteceu a Eurocopa e viu como era rentável a dinâmica de pintar caras.


Aí você imagina a naturalidade que as pessoas recebiam minha notícia:


- Vou trancar a facul, ir pra Portugal, pegar um carro com minha mãe, meu padrasto e meus irmãos que são crianças, ir até a Alemanha acampando e vivendo no carro, e para comer e pagar a gasolina a gente pinta a cara do pessoal.


:O :O :O Não te parece razoável?


Embarquei para Portugal e a verdade é que a ideia era tão maluca que nem a gente até então acreditava que teríamos coragem, fizemos preparativos tímidos que se resumiam a comprar uma van que meu padrasto precisava para trabalhar de qualquer forma, e comprar algumas tintas e pincéis de qualidade.


Teoricamente, sairíamos as 4 da manhã, e as 10 da noite estávamos sentados na mesa da cozinha pensando se íamos ser realmente loucos de fazer isso. Fomos!


Partimos, e até cruzar a primeira fronteira, com a Espanha, não acreditávamos muito que daria certo. Após cruzá-la, adquirimos confiança no plano.

Na Espanha

Mas precisávamos acelerar, faltavam apenas dois dias para a Copa começar. A primeira noite foi trágica, não sabíamos aonde dormir. Não tínhamos um plano traçado, apenas um mapão que a gente abria e via para onde ia (2006, galera!), e praticamente informação nenhuma dos lugares que passaríamos. Na primeira noite, paramos em San Sebastian na Espanha, e acabamos tendo que dormir todos dentro do carro, sentados. Pensamos em voltar. No dia seguinte, cruzamos para a França, e nos organizamos para encontrar onde dormir mais cedo, vimos que não dava para deixar para tarde da noite. Nesse dia, encontramos um camping em algum lugar do interior da França, dormimos e tomamos banho. Ufa!


Nos dias seguintes, aprendemos que camping era luxo desnecessário. A Europa tem diversas áreas de paragem, onde era possível acampar e tomar banho no posto de gasolina que dá estrutura. Mas nada de banheiro cacarequento. Tudo muito limpo, novo e organizado.



No dia seguinte vimos a Torre Eiffel bem de longe e prometemos ficar mais tempo em Paris na volta. Dormimos mais uma noite na Bélgica, e no primeiro dia da Copa chegamos a Gelsenkirchen, jogo Polônia x Colômbia. A primeira parte do plano já tinha dado certo, era hora de testar a segunda. Fomos em uma loja em frente ao estádio, compramos umas cadeiras e começamos a pintar. O preço? Quanto a pessoa quisesse pagar. Sucesso!



Uma vez fiz duas listras no rosto de um inglês e ele me deu nada menos que 20 libras esterlinas mais 5 euros. Mas teve também os iranianos, que me deram umas moedinhas que nem sei quanto valiam, tipo uns 10 centavos. Mas foram só eles, o mínimo que normalmente davam era 5 euros.


Meu padrasto que não tem talento nenhum, passou a pintar também para render o trabalho (e o dinheiro!). Não que eu tivesse talento, mas até “la aguila” da bandeira mexicana me aventurei a traçar com sucesso. O que a gente não faz por uns euros. E as vezes, quando a aptidão não ajudava no desenho, não era nada que um espelhinho em movimento não disfarçasse.


Foram mais de 15 cidades, todas as 12 sedes da Copa visitadas. A rotina era acordar, chegar até a próxima cidade, ir para a porta do estádio com no mínimo 5 horas de antecedência, assistir ao jogo, partir, render o máximo na estrada até o próximo destino.

Em Colônia

Em Nuremberg

Em algum lugar que nem sei onde

Em Hannôver

Em Berlim

Em Leipizig

Muitos amigos, do mundo todo, muita confraternização, muitas caronas dadas. Não que tivéssemos esse espaço todo, mas a “marafunda” sempre tinha espaço para mais um, chapéu de mexicano e até cadeira de rodas. Presentes e coisas iam se acumulando dentro dela, algumas que nunca entendemos a procedência.


Até que o vento virou. Estávamos em Hamburgo após um jogo Polônia x Itália (ou algo do tipo).

Resolvemos checar o óleo do carro e tivemos a infeliz ideia de pedir ajuda a um caminhoneiro alemão, que “gentilmente” fez caber uns 5 litros de óleo nela. Andamos uns 100 km destino a Frankfurt (onde aconteceria Brasil x França) e o motor fundiu. O guincho nos levou a uma cidadezinha que não me recordo o nome e quase todos os moradores da cidade se mobilizaram a nos ajudar. Uns fofos! Mas na época com meu inglês mixuruca não foi muito fácil não. Acionamos o nosso seguro, e tudo que na verdade a gente pensava era em chegar a Frankfurt a tempo do jogo. O seguro deu duas opções: 48 horas de um carro alugado ou passagens de retorno para Portugal. Sem pensar duas vezes: queremos o carro. Colocamos o máximo que cabia nele e partiu Frankfurt.

Chegando em Frankfurt

Chegamos em cima da hora, não conseguimos comprar ingresso para o jogo, e pra completar, o Brasil perdeu. Mas perder é uma coisa, perder quando você está assistindo ao jogo em um bar que só tem francês é outro nível.


No dia seguinte, a pergunta que não queria calar: o que vamos fazer quando o aluguel do carro acabar? Como vamos voltar? Onde dois de nós vamos dormir? Por que sim, dois sempre dormiam dentro do carro.



Resolvemos comprar um carro. Em Dortmund, no centro de treinamento do Borussia, eles permitiam que acampássemos, tomássemos banho e tudo mais, então para gente já tinha virado casa. Fomos para lá, minha mãe nos deixou em uma barraca, com coisas sem fim que não cabiam dentro dela e foi entregar o carro alugado com a missão de voltar com um carro novo, nosso.


Ela saiu umas 8 da manhã, e já era quase pôr do sol, estávamos lá sem notícias, morrendo de fome, e já tínhamos dado a volta inteira em uma árvore com a barraca por causa do sol. Eis que surge minha mãe e meu padrasto num Escort azul brilhante buzinando loucamente e minha mãe em pé acenando pelo teto solar. Carro novo por 800 euros.


Só que o espaço era muito menor e as coisas não cabiam direito. O jeito era entrar, fechar as portas e meu padrasto jogava o que sobrava pelo teto solar. Continuamos. Ainda tinha muita cara para ser pintada.


Pintando em Dortmund


Passados mais uns dias, a minha irmã cortou o pé e precisou levar uns pontos. Além de toda a parafernália de pintar a cara, agora tínhamos que carregar também ela.


Além da difícil missão diária, de coordenar os interesses do meu irmão (que só queria uma pista de skate), da minha irmã (que não podia ver um parquinho), meu (a louca dos monumentos!), do meu padrasto (que tudo que pensava era descansar as pernas da direção e assistir o máximo de jogos) e da minha mãe, que só queria que todo mundo ficasse feliz.


E por mais que estivéssemos na porta do estádio, muitas vezes o único jeito de assistir aos jogos era esse, no carro de transmissão da emissoras:



Fomos entrevistados por jornais e emissoras do mundo todo, nunca vimos nenhuma delas, mas todo dia que ligávamos pro Brasil, alguém tinha visto a gente na tv.




Após a disputa de terceiro lugar em Munique, decidimos não ir a Berlim para a final, por alguns motivos: era longe, estávamos cansados, e o maior deles: a gente não aguentava mais a zoação por termos perdido pra França.


Em frente ao estádio de Munique


Não ajudou muito já que passamos o dia da final na França, no caminho de volta.

Em algum pedacinho da França


Os planos de ficar alguns dias em Paris foram deixados de lado, em compensação fomos premiados com a Áustria e a Suíça.


Em Zurich, na Suíça


Após um mês na estrada, estávamos em casa. Nesse tempo conhecemos lugares maravilhosos, pessoas do mundo todo, criamos lembranças eternas e uma alma inquieta, que quer sempre sair por aí desbravando. E para ser sincera, voltamos também com uma quantia de euro na carteira. Deu para pagar minha passagem de ida e volta a Portugal, toda a viagem a Alemanha, o carro novo, comprar celular, câmera, um monte de bugiganga e roupa, e ainda voltei para o Brasil com uns 300 euros. Nada mal.



Na volta para Portugal, duas boas surpresas: o reencontro com a marafunda, que já estava a nossa espera, e a notícia de que tinha mais um irmão a caminho.



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