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Neve: bonitinha mas ordinária


Em terras tupiniquins, quem não alimenta o sonho de brincar na neve, ver tudo branquinho da janela de casa, ou passar um Natal cinematográfico com muita neve caindo nos pinheirinhos do lado de fora? Isso tudo é lindo no porta retrato. Neve é tipo casamento. Pra conhecer de verdade quem ela é, tem que dormir e acordar com ela todo dia.

Na realidade ela não é nada pratica. Morei 6 meses em Minesotta nos Estados Unidos. Um dos lugares mais “nevados” e frios do país. Era – 20C todo dia, em exceção, claro, os dias de -35C (isso existe e eu vivi). A vista do avião é a realização do sonho: tudo branquinho! Quando você sai do aeroporto o deslumbre dura ate você pisar no primeiro black ice e já levar um tombaço. Não dá pra andar na neve admirando a paisagem minha gente, se não olhar onde pisa, vai cair. O que eles chamam de black ice são camadas finíssimas de gelo que se formam sobre o asfalto, e você não consegue vê-las. Quando pisa, a aderência é praticamente zero, e o tombo sera “nível estabacamento máximo”. Não dá tempo pra pensar, quando vê já está no chão. E aí, que beleza, a neve pra quem se esquece é molhada. Então você se molha todo em agradáveis – 20C. Claro que existem as roupas impermeáveis, mas eh claro que se você nunca viu neve, você não sabe do que se trata e não está usando.

Alias, nós não sabemos nos vestir corretamente pra isso, e até aprender você sofre, sofre, sofre. Aquele casaco quentinho que sua avó falou pra você levar na viagem não vai adiantar de nada. Aquela luva de 1,99, que você nem acha quando usar no Brasil, vai deixar sua mão congelar em dois minutos. E milhares de camadas de roupas erradas não vão te ajudar de nada, se não souber o que vestir e em que ordem vestir. Mas afinal, o que eh pra colocar? Uma blusa de algodão ou tecido acrílico próprio em contato com a pele. Mais uma por cima de moletom, forrado de pele normalmente, mais o casacão impermeável. Na parte de baixo, uma calca acrílica mais a normal por cima, e nos pês, meias próprias e sapatos impermeáveis, não adianta a sola ser grossa e ele ser quentinho só. Luvas próprias e impermeáveis e uma coisa na cabeça. A gente chegou a resistir muito em relação ao gorro, as vezes não combinava no look, ou ia atrapalhar o cabelo. E só paramos de sofrer, depois que nos explicaram que não é pelo frio que se sente na cabeça, mas porque 75% do calor do corpo perdemos através dela, então, se você não usa, pode encher o resto do corpo de roupa que vai sentir frio.


Outra coisa importante, são as extremidades do corpo. Nunca deixe uma parte congelar. Nunca imaginou que seu pé possa congelar? O meu congelou. Estávamos andando e eu sentia ele ficar gelado, mas ia insistindo. Você consegue fazer ele não congelar, mas depois que congela é desespero total. Eu não sentia os pés, colocava na água quente, o secador de cabelo, tudo, mas nada me fazia voltar a ter a real sensação dos pés. Isso é super perigoso. No meu caso acabou descongelando depois de uns 20 minutos. Mas a reação certa teria sido aquecer com calor humano, friccionar as mãos ate começar a voltar a sensibilidade.


Uma vez também um amigo saiu do lado de fora com o cabelo molhado, que congelou no mesmo instante e começou a quebrar. Se chorar, dependendo da temperatura, a lágrima congela também.


O fato é que a essa temperatura ninguém fica saçaricando pela rua afora, ou você está dentro do carro com aquecedor, ou dentro de algum lugar com aquecedor. Não se faz nada a pé. E em casos de exposição a neve e tal, existem uns body packs, que são uns sachês que você compra e cola, nas mãos, pés e até nas costas. Eles ficam soltando um calorzinho por até 8 horas.


Pronto e vestido, e ai, vamos sair? Abre a porta …. Espera, espera, espera! Como assim vai abrindo a porta? Nem olhou se tem um urso do lado de fora. Juro, que isso fazia parte da minha rotina nos EUA.

Não tem urso, então vamos lá. Ah, mas vai sair como, bonito? Tem que tirar a neve acumulada na porta pra abrir caminho, pega a pá, tira a neve. Beleza, entra no carro (que no nosso caso conseguíamos acionar o aquecedor a distância, então quando entrávamos já estava quentinho), vamos sair? Ainda não. Tem que limpar o vidro do carro. Pega uma escovinha que você tem que ter, limpa a neve do vidro, depois com o outro lado vai quebrando o gelinho pra dar visibilidade. Entra no carro de novo, reza pra ter bateria. Dá a partida e vai se virando como pode pra dirigir na neve. Pois assim como deslizamos no black ice, o mesmo acontece com o carro, né.


Fato é que não há vida sem carro nesses locais, por isso adquirimos nosso possante já nos primeiros meses. Por 800 dólares, você imagina o que deu pra comprar. Aí no primeiro dia de Liberdade decretada, quem disse que o carro ligava? E não era a bateria. Atrasados pra trabalhar, ligamos pro nosso gerente pedindo ajuda. Chegou lá, ele perguntou se a gente tinha abastecido. Super ofendidos, respondemos: é claro, né? E aí ele diz : “Mas como vocês fizeram isso? Vocês jogaram uma bolinha preta que fica em cima da bomba de gasolina dentro do tanque?”. Mas que bolinha preta, gente??? Estava solucionado o mistério. A gasolina tinha congelado, porque não sabíamos que tínhamos que jogar isso dentro do tanque pra evitar. E eles riam da gente como se tivéssemos cometidos um erro básico da sobrevivência humana. Ah, claro, no Brasil eu sempre me preocupo em não deixar minha gasolina congelar, hahaha. Aprendizado pra vida.

Da parte boa da neve ficaram os bonecos de neve (que levamos 5 meses pra descobrir a técnica), esquiar, os anjinhos, e ahhh, pra mim a melhor parte: a Coca Cola está quente? Coloca 5 minutinhos do lado de fora que resolve. Alias tínhamos um adendo da nossa geladeira na neve na frente da porta, hahah. Ali a gente “malocava” os congelados, sorvetes e tudo mais que não cabia na frigobar.


E acredite, era muito mais eficiente que a própria geladeira. Comprovações empíricas. Um dia no trabalho, a cozinha do restaurante pegou fogo. A fritadeira super aqueceu e gerou umas labaredas e explosões de óleo pela cozinha a fora que junto com a gosma do extintor de incêndio virou aquela nojeira. Como o cheiro de fumaça tava muito forte, resolveram abrir todas as portas e colocar um ventiladores gigantes pra fazer o ar circular. O que significou trabalhar um dia sem aquecedor. Todo mundo congelando. La pelas tantas, alguém precisava entrar dentro do freezer pra pegar alguns produtos. Rolou sorteio, zerinho ou um, todo mundo tentava escapar da tarefa porque ja estava sentindo frio suficiente. Aí eu fui. Gente que alivio, estava super quentinho lá dentro, haha. Aí a gente trabalhava um pouquinho e corria pro freezer pra se esquentar.

E aí, o seu sonho ainda é morar com neve?

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